O fim do conceito de ponto de audiência está próximo — ao menos da maneira como o conhecemos hoje: é o que garante Ariel Hajmi, que atua como CEO da Kantar Ibope Media em mercados da América Latina há quatro anos. Funcionário da empresa desde 1997, o executivo da companhia revelou em entrevista ao jornal argentino La Nación que a medidora já não acredita que o atual conceito de pontos de audiência durará muito mais tempo, e diz que a medição será mais compatível com o mundo digital, que leva em consideração números brutos, em milhares e milhões.
“A própria indústria já está estudando essas mudanças”, justificou Hajmi, que também sentenciou o fim do conceito de horário nobre. “Nós não temos que lidar com horários pré-estabelecidos, tampouco com plataformas fixas. Todas competem entre si pela atenção do público. Uma vez, eu escutei o CEO da Netflix dizer que o seu maior concorrente era a hora que as pessoas precisam dormir. E isso faz todo o sentido”, disparou o diretor da medidora de audiências no Brasil, Argentina e em diversos outros mercados da América Latina e do mundo.
De acordo com o CEO da Kantar Ibope Media, a empresa irá dar um grande passo em seus serviços de medição a partir do final deste ano, com “uma nova tecnologia, chamada streamingmeter, que permitirá somar todo o consumo das plataformas de streaming”. As mudanças, no entanto, não param por aí. Ele ainda revelou que em um outro momento, ainda sem data definida, haverá a implantação de um painel social, que também levará em consideração os hábitos de todos os usuários de redes sociais.
A seguir, confira a tradução do bate-papo de Ariel Hajmi com o jornalista Pablo Steinmann, editor de entretenimento do La Nación:
Como você definiria o índice de audiência hoje em dia? Não deixou de ser uma fórmula técnica, mas eu diria que a audiência é o que as pessoas consomem. Muito além de todas as plataformas, várias mudanças na indústria — em especial nos últimos anos — aconteceram em todo o mundo. E no fundo dessas mudanças, estão as pessoas. E nós estudamos isso: as pessoas e os seus respectivos hábitos de consumo audiovisual. Diante disso, temos outro ponto central na nossa equação: o conteúdo, mais do que nunca, está se adaptando para diversos formatos e isso mudou um pouco o que era o grande X da questão. Em resumo, isso é a audiência. É o consumo que as pessoas tem dos diferentes tipos de conteúdo audiovisual.
Você citou uma série de mudanças na indústria audiovisual. Qual delas foi a mais disruptiva? Sem dúvida foi a evolução do digital e, consequentemente, de todo o universo online, que provocou uma grande diversificação das formas de geração e publicação de conteúdos. Durante algum tempo, essas novas formas de consumo provocaram uma espécie de Fla x Flu entre o mundo tradicional e o digital. Para nós, isso já não existe há muito tempo. Muito pelo contrário: tudo nos indica que estamos em um mundo híbrido. Atualmente, nós falamos muito de veículos que já são “tradigitiais”. Não nos interessa se a sua origem foi offline ou online, hoje todos tem braços nas mais diversas plataformas. E a audiência se constrói assim, com as fortalezas de cada meio e o respectivo suporte desse público.
Imagino que a questão híbrida também diz respeito ao trabalho de vocês… Exato. E por isso temos repensado os nossos produtos de uma maneira muito mais funcional, ou 360º, se você preferir. De fato, agora nós já trabalhamos com medições que vão além da televisão linear: por exemplo, também aferimos quem assiste programas em outros horários por sistemas de catch-up, como o Replay TV, da Claro/NET. A nossa ideia é começar a trabalhar, muito provavelmente no final do ano, com uma nova tecnologia, chamada streamingmeter, que nos permitirá aferir detalhadamente todo o consumo das plataformas de streaming. Afinal de contas, tudo isso está no mesmo ecossistema: o mundo online.
Mas muitas plataformas, como a Netflix, não devem ficar felizes em tornar esse tipo de informação acessível. A Kantar Ibope não depende de nenhuma plataforma. Da mesma forma que acontece com a televisão linear, a única autorização que nós precisamos é a de quem irá fazer parte do painel de medição. Ele é sujeito, evidentemente, a todas nossas normas de confidencialidade aplicadas internacionalmente. Mas, de qualquer forma, é ele que nos autorizará a instalar o streamingmeter em sua casa. Em uma segunda fase, que acontecerá mais a frente, também iremos incorporar medições feitas no universo mobile. Acredito que chegaremos a uma espécie de painel social, que incluirá todos os usuários de redes sociais.
Streamingmeter, painel social… vamos dizer adeus ao conceito de pontos de audiência? Como eu já disse, acredito que estamos atravessando um momento de profunda convergência de meios. Os anunciantes já tem incorporada essa visão 360º e omnichannel, e já entendem que para atingir uma grande audiência, é preciso elaborar uma estratégia muito mais complexa. Em todo o caso, eu acredito que o ponto de audiência deixará de ser um número único e fixo e irá passar a incluir outros componentes, que sirvam para expandir o universo de consumo e que convivam entre si. Vou te dar um exemplo: no mundo digital, há outra métrica para indicar se o conteúdo deu certo ou não. O número de exibições é sempre em milhares ou milhões, e isso difere muito de uma variante percentual. Certamente, em algum momento do futuro nós começaremos a dar mais relevância para esse tipo de dado na medição da TV, já que eles são mais compatíveis com as métricas digitais. A própria indústria já está estudando essas mudanças.
Diante disso, acho que teremos que nos despedir de outro conceito muito famoso no meio televisivo, que é o horário nobre. Com toda a certeza. Hoje em dia nós falamos muito mais de uma jornada do consumidor sem nenhum tipo de amarra, já que a disponibilidade do telespectador não está mais restrita a determinadas partes do dia. Tivemos épocas de picos de consumo na faixa da noite, porque as pessoas chegavam do trabalho nessa faixa horária. Hoje, a possibilidade de consumir conteúdos está literalmente na mão de todos nós, durante todo o dia. Isso não significa, evidentemente, que o conceito de “melhor tela possível” deixará de ser a televisão da casa da pessoa, em especial para grandes eventos ou conteúdos especiais. Estamos vivendo um momento de readaptação, tivemos anos em que as pessoas foram obrigadas a ficar mais tempo em casa do que antes. Mas voltando ao tema, hoje nós não temos que lidar com horários pré-estabelecidos, tampouco com plataformas fixas. Todas competem entre si pela atenção do público. Uma vez, eu escutei o CEO da Netflix dizer que o seu maior concorrente era a hora que as pessoas precisam dormir. E isso faz todo o sentido.
Nas últimas semanas, cresceram os rumores de que a Netflix irá incorporar anúncios publicitários em sua plataforma. O jogo virou? Mais do que o jogo ter virado, é algo esperado. Tomadas as proporções, é um deja vu do que aconteceu com a televisão por assinatura. Ela começou sem ter publicidade e, aos poucos, isso virou uma rotina. Hoje em dia existem canais premium e canais básicos… É muito fácil você não fornecer dados ao mercado quando está vivendo um bom momento, atravessando fase de crescimento e sendo player de um mercado estável. Agora, quando você começa a lidar com muita concorrência, a informação passa a ser relevante e, mais do que nunca, passa a ser um fator chave para a continuidade da sua operação. E nós somos um jogador importante nesse sentido: além de sermos neutros, temos a experiência do mundo “tradigital”, que é a concorrência dessas plataformas. A Netflix não compete só com o Amazon Prime Video ou com o Globoplay, mas compete também com a Globo, com os outros canais de TV linear. Era previsível que a fase de hipercompetitividade chegaria, e que isso causaria a formação de uma série de alianças no mercado. A mudança de hábito está acontecendo agora. Antes, nós acreditávamos que algo assim só aconteceria no futuro. Mas o isolamento social de 2019 e 2020 acelerou toda a mudança da indústria.
Vocês tem uma espécie de monopólio na medição de audiência televisiva. Isso não é prejudicial para o mercado? É um bom ponto. Mas eu te digo que em praticamente todos os mercados do mundo, há apenas um medidor. Mais do que uma empresa de análise de dados, nós nos definimos de uma maneira mais técnica: nós somos a media currency. Em uma explicação livre e adaptada para o português, seria algo como “os donos do jogo”, já que os dados aferidos por nós acabam definindo preços de publicidade e outras métricas do gênero. As agências de publicidade, tanto nos Estados Unidos, como aqui e na Ásia, escolhem um medidor e, dessa forma, promovem auditorias de cabo a rabo na medidora escolhida. E nós somos os primeiros a levantar a mão para que essas auditorias aconteçam.
Mas não ter concorrência é prejudicial… Veja bem: temos outro tópico chave aqui. Hoje nós somos muito mais uma empresa de tecnologia do que uma simples companhia de análise de dados, com formulários, tabelas e coisas desse gênero. Nós investimos muito em tecnologia, em equipes, em pessoas, em cada um de nossos servidores, em segurança da informação. E tudo isso de maneira cada vez mais rápida e sujeita a mudanças. É impossível que o mercado publicitário atual consiga sustentar esse nível de imersão e de credibilidade em duas medidoras. No passado já existiram outras empresas, mas a experiência diz, e eu não falo isso como representante da Kantar Ibope, e sim como integrante do mercado televisivo, que não é possível sustentar esse nível imersivo em várias empresas. E muito menos na nossa realidade econômica atual.
Nota da Redação: perguntas essencialmente relacionadas ao mercado de televisão argentino foram suprimidas da tradução, que também passou por ajustes em determinados casos, como em citações de canais de televisão locais, operadoras de televisão por assinatura e plataformas de streaming que não operam e/ou tem pouca relevância no Brasil. A íntegra da entrevista, feita em espanhol, está disponível na versão online do jornal La Nación.
https://www.tvpop.com.br/71563/fim-do-ponto-de-audiencia-ceo-do-ibope-revela-que-a-medicao-ira-mudar/